25/06/2010

AS TÁBUAS DO ASSOALHO

Aquela casa de porta larga de cor cinzenta, situada à beira da floresta era bem conhecida, não só naquele rincão mas em toda a paróquia.

Como qualquer outro lar, tinha também a sua história. O lugar era em seu tempo uma colônia muito linda. Em alguns lugares podia-se usar o arado para virar a terra, mas em quase todo o terreno era necessário usar a pá por causa das muitas pedras. Nos antigos tempos como se diz - havia vida e movimento no lugar; quando Kristian e Nils corriam no pátio, cheios de vida e alegria, mas aquilo durou pouco tempo. Depois silenciou de uma maneira um tanto mística - parecia um cemitério. Não se via mais aquela linda colônia, nem se ouviam mais o mugido das vacas e cabritos nas lindas noites de verão, quando voltavam das pastagens, nem os meninos que apascentavam o gado. Veio aquele silêncio de cemitério. A casinha vermelha diminuiu no meio do mato que tomou conta e crescia ao redor dela. Algum mistério parecia descansar sobre o lugar, como se esperasse acontecer alguma coisa extraordinária; o próprio ar parecia denunciar tal coisa.

Renovam-se a alma e a mente na aurora depois de uma noite longa - quando o crepúsculo foge -, e o sol nasce e vem o dia claro sobre Liagrenda. Assim se chamava o lugar.

Altar de oração - Aquele silêncio solene, tinha a sua própria pré-história - os vizinhos a conheciam muito bem: como Nils e Kari viviam com o Senhor, como oravam pelos seus dois filhos Kristian e Nils. Lá no quarto, junto à sala, um banco de madeira servia-lhes como "altar de oração". Durante muitos anos, orações ardentes subiram, por aqueles filhos queridos.

Enquanto eles estavam em casa, eram o objeto de maior amor imaginável, mas como muitas vezes acontece, eles não ligavam a isso como deviam. Os filhos, por certo, amavam o pai e mãe, mas achavam que o fervor da religião dos pais era muito exagerado. As orações e advertências constantes não eram fáceis de suportar. Nunca podiam sair uma noite de sábado sem que se ouvissem sérias advertências e, muitas vezes, viam lágrimas nos rostos dos pais. Quando saiam de casa com essas impressões, a noite inteira, gasta em divertimentos, parecia-lhes um fracasso. Muitas vezes quando se retiravam de um baile voltando para casa, viam a mãe, espiando, a esperar por eles. Ela não se importava com o tempo que gastava ali, tossindo e trêmula de frio enquanto orava ao Senhor: Oh Deus, manda meus filhos para casa!

Lentamente o ambiente caseiro parecia apertado demais para os filhos.

Não se sentiam mais livres. Debaixo dessa vigilância constante dos pais, nascendo nos seus corações a dureza e oposição. Faziam o possível para não ferir demasiadamente os pais, mas não era fácil se afastarem dos divertimentos e pecados deste mundo enquanto tinham o mundo no coração. A situação piorava, pois os filhos começaram a tomar bebidas alcoólicas. A primeira vez que chegaram em casa embriagados, depois de um baile, deixaram a mãe tão triste e impressionada que caiu doente. Aqueles dias foram terríveis também para Kristian e Nils. Eles oravam a Deus para que sua querida mãe não morresse e prometeram a seus pais que nunca mais se embriagariam. Contudo, continuavam no pecado. Quando os filhos não voltavam para casa nas noites de sábados, os pais ficavam sentados, esperando, chorando e orando a Deus. Às vezes, quando a mãe chorava muito, tinha fortes ataques. Ouviam-se os gritos de longe, mas ainda assim os filhos não deixaram a miserável bebedeira.

Distante do lar - Aconteceu um dia que um "noruego-americano" (assim são chamados os noruegueses que emigraram para os EUA) veio visitar o lugar. Este fazia muita propaganda, contando como tudo era melhor no outro lado do oceano. Muitos moços ficaram influenciados a emigrarem para a América do Norte. Entre esses estavam também os dois queridos filhos de Kari e Nils. Os pais não se conformavam. Tudo fora feito para impedir que os moços viajassem, até o próprio padre daquela paróquia os advertiu, dizendo: "Virá o dia do arrependimento, quando souberdes que vossos pais não estarão mais com vida". Os velhos eram doentes e mesmo assim cuidaram da pequena propriedade durante alguns anos. Diminuiram-lhes as suas forças físicas e, por fim, já não podiam mais trabalhar. O resultado foi que tudo decaiu e o mato tomou conta do que outrora era terra bem cultivada.

Nils e Kristian mandavam seguidamente cartas para seus pais; às vezes mandavam também algum dinheiro. E isso era mais do que bem-vindo, pois, os velhos eram pobres. Um dia aconteceu o que o padre predissera - os filhos receberam a triste notícia que seus pais partiram no espaço de algumas semanas.

Kristian e Nils prosperaram na América do Norte. Eles tinham uma só preocupação: ganhar dinheiro. Cerca de seis anos depois da morte de seus pais, uma forte saudade se apoderou deles. Cansados de todo o trabalho, voltaram à casa paternal.

Era um lindo dia de primavera, dois noruego-americanos robustos, entraram no velho pátio de Liagrenda. Sentiram uma solenidade profunda encher o próprio ar. Um casal de passarinhos estava na antiga escada, meneando as cabeças, no mesmo lugar em que seus queridos se despediram deles. Outro casal de passarinhos estava no telhado, cantando, parecia dar-lhes as boas-vindas, enquanto outros pássaros cantavam ao redor, nas árvores, como se fosse um verdadeiro coro. Era tudo isso como nos tempos passados! Somente uma coisa faltava: os pais.

Volta ao lar - Nils e Kristian sentaram-se na escada. Ficaram nessa posição por um tempo, sem dizer palavra alguma um ao outro. Era como se revivessem o passado. Sentiam como se lhes faltasse o fôlego enquanto pronunciavam: - Mãe, pai! Mas ninguém lhes respondia. Quando chegaram ao cemitério, acharam ali os sinais do lugar onde foram enterrados os pais.

Oh, como ardiam os seus corações; era como que tivessem feridas incuráveis.

Nesse momento não puderam fazer outra coisa se não lançarem-se ao pescoço um do outro - chorando.

Não achavam mais alegria ao chegar ao seu lar paterno. Andavam tristes, dia após dia. A casinha vermelha parecia-lhes outra vez apertada, tornando-se-lhe impossível morar ali. Resolveram demoli-la e construir outra maior e mais moderna. Um dia iniciaram a demolição. Agora importava mostrar coragem, e sob cânticos e júbilo tiraram o telhado. Logo a seguir estavam já sobre o quarto, aonde tantas vezes ouviram as orações dos pais. As lembranças vinham-lhes tão fortes à sua memória que silenciavam os seus cânticos. A demolição prosseguia a rapidez do estilo americano. Importava terminar breve esse serviço. Enquanto desmanchavam a casa, alguma coisa dentro dos seus corações também parecia desmanchar-se.

Finalmente acharam-se no quarto, junto àquele banco de madeira - o falar de oração dos pais. Parecia-lhes ouvir as orações, quando clamavam a Deus pela salvação de Nils e Kristian. Coitados dos moços! A vida assim não era tão fácil para eles agora. Chegara o grande momento em suas vidas, a hora de prestar contas ao A!tíssimo. Agora as orações incessantes dos pais seriam galardoadas, como uma bênção eterna para estes dois filhos, que até então tinham-se endurecido contra a chamada do Espírito Santo. Eles se retiraram o máximo possível do lado direito onde estava o banco, até que faltavam só umas dez tábuas, lugar de luta e lágrimas pelos dois filhos queridos, pararam o serviço. Kristian e Nils olharam um para o outro, era como se cada qual dissesse: Tira essas tábuas, tu. Eu não posso fazê-lo. Pareciam ter os braços paralisados. Não contavam com uma coisa desta, quando começaram com este serviço: não pensaram que havia na casa qualquer parte que lhes seria impossível desmanchar, sim, que havia ali algumas tábuas que se chamavam "tábuas de oração", que exigiam respeito e santo temor. Eles se sentaram no banco, completamente sem forças para ficar em pé, as lágrimas corriam com abundância, não das faces de dois velhos e esgotados, mas, finalmente, dos dois filhos pelos quais Kari e Nils tanto choraram.

Renovação - No silêncio ouviu-se o canto dos passarinhos, indicando alguma coisa nova a acontecer - uma coisa alegre. Um poder invisível obrigou os dois moços fortes a ajoelharem-se e ali se acharam orando, pedindo a Deus perdão por todos os seus pecados. Durante algum tempo ficaram assim, clamando..., pedindo... Mas repentinamente pareceu-lhes que as vozes de mãe e pai falavam por meio da Bíblia de capa marrom - muito gasta de tanto uso - que ainda estava no lugar de costume.

Promessa após promessa vieram-lhes ao encontro dentro de seus corações. Podiam agora, claramente, sentir o perdão de seus pais - e o perdão de Deus. Era como se tornassem meninos outra vez, sentados no colo dos pais, como na meninice.

Juntos louvaram a Deus pela salvação pelo sangue do Cordeiro. Um novo tempo raiou e sentiram-se alegres outra vez no velho lugar: Liagrenda.

Pais crentes! Não desfaleçais na oração, mesmo não vendo nenhum resultado das vossas orações pelos vossos filhos que não são salvos! Virá o dia quando as orações serão atendidas, pois, Deus é fiel.

(Mensageiro da Paz).
gravura: http://alexandrehreis.arteblog.com.br/3/

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